Sabes o que é a escuta atenta?
Existe um fenómeno transversal a todos os terapeutas e profissionais de saúde: o gosto pelo cuidar. Pelo menos quero acreditar que assim é. Digamos que é, até, um fenómeno comum à humanidade: o facto de sermos pessoas dá-nos esta alegria de poder ajudar outras pessoas.
Talvez porque no fundo saibamos que tudo o que fazemos por outra pessoa, estamos a fazer por nós mesmos, já que somos todos um. Se eu luto por um sistema de saúde melhor, luto por mim, pelos meus filhos, familiares e por todos aqueles a quem eu quero bem.
A força da união e do amor traz-nos sentido para a vida, para além de uma alegria enorme que vem da missão da nossa alma. Tal como diz Tagore:
Eu dormia e sonhava que a vida era alegria. Despertei e vi que a vida era serviço… Servi e aprendi que o serviço era alegria”
A força que há em cada cuidador
Esta é a grande força que reside em cada cuidador ou prestador de cuidados, seja ele profissional de saúde, enfermeiro, médico, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, profissional da área do cuidar, coach, terapeuta ou até cuidador familiar, da mãe, do pai, do avô, do irmão, etc. Esta é a força divina do cuidar.
E, neste cuidar, somos todos uma grande equipa. Um enfermeiro não fará bem o seu trabalho sem a colaboração de todos os outros profissionais, incluindo o da própria pessoa receptora dos cuidados e a sua família.
Qual o papel da família na recuperação de um membro enfermo? É inquestionável e existem cada vez mais estudos na área da saúde familiar. Mães e pais deste mundo, vocês são imprescindíveis! E têm feito um trabalho fenomenal, entre o emprego, o cuidar da família e o cuidar da casa, entre todos os outros “fogos” que se apagam todos os dias.
Reconhecemos também a importância de outras áreas como é a arquitetura ou o feng shui, como arte de otimizar o ambiente com o objetivo da cura, algo que a própria Florence Nightingale, da área de enfermagem, defendia com todas as suas forças.
Na saúde e bem-estar, tudo importa
Vemos nascer hoje em dia uma união, cada vez maior, entre as ciências e as áreas complementares. Esta é uma união que traz benefícios a toda a população. Vamos confessar… nós necessitamos de respirar e de nos alimentar de valores que não sejam apenas a correria diária para dar resposta a todas as tarefas que, às vezes, não sabendo bem como, conseguimos impor a nós próprios. Sim, nós connosco.
Em 2005, como estudante de enfermagem fiz Erasmus na Suécia e tive a oportunidade de estagiar em duas áreas: saúde escolar e obstetrícia. Que fenómeno! Sempre fui atraída pela multiculturalidade e estar na Suécia representou uma expansão profunda.
Talvez já tivesse ouvido falar da igualdade nas relações entre profissionais de saúde e as pessoas mas a experiência superou qualquer expetativa. Médico, enfermeiro, paciente, todos faziam parte de uma unidade fluída, sem tensões. Eram relações vividas em profundo respeito e… IGUALDADE.
Não presenciei o típico paternalismo do médico português – da qual eu também me dou como “culpada”. Mas, sim, tem sido um exercício de uma vida, este desaprender a ser assim. Desaprender porque nós não sabemos tudo.
“O que cura realmente as pessoas é a escuta atenta”
Aprendi na escola que a origem da diabetes, a origem da hipertensão é…
Aprendemos “causas” apenas físicas e psicossociais. Por vezes emocionais. Mas a área espiritual como causa estava completamente a descoberto, tal como a busca pelo sentido da vida. E, em nenhuma aula se abordou o tema, nem se falou na escuta atenta ao nível de intervenções e soluções para os problemas das pessoas. Temos, então, um sistema de saúde completamente focado na intervenção medicamentosa.
Na escola aprendemos intervenções autónomas mas “saímos à rua” e temos a indústria farmacêutica que controla muita da economia do mundo, tal como os lobbies. E também sabemos que temos pacientes que se vão ao médico e não trazem nenhuma prescrição farmacológica, dizem que “o médico não fez nada”.
Porque atenção… para nós, a nossa cultura não passa por escutar quase nada. Não existe uma escuta atenta. Não há tempo, temos de informar tudo que sabemos. Mas em consultas limitadas pelo tempo (muito limitadas) é uma aventura épica chegar às verdadeiras causas dos problemas, às razões para a ação, ao porquê das pessoas não mudarem o seu comportamento mesmo quando sabem que esse mesmo comportamento não as leva a lado nenhum ou que leva até ao agravamento da doença.
Como diria uma psicóloga que admiro imenso:
O que cura realmente as pessoas é a escuta atenta”.
Na Suécia, ainda era eu uma jovem de 22 anos, observei e modelei uma escuta atenta e verdadeira e o interesse genuíno de uns para com outros. O compromisso era de toda a equipa: médico, enfermeiro e paciente. O plano de cuidados era verdadeiramente de todos.
A verdade é que a escuta atenta poupava um trabalho enorme aos profissionais de saúde porque, efetivamente, os pacientes estavam profundamente comprometidos com a sua cura! Podia contar histórias intermináveis do meu tempo de visitação domiciliária em Portugal sobre pacientes rebeldes, pacientes descomprometidos, em profundo sofrimento contínuo ou com comportamentos contra-saúde.
Já nem sei se será a cultura onde estamos, se será a nossa educação ou se será a nossa tendência ao paternalismo que, no seu extremo, desresponsabiliza a pessoa, já que existe a ideia de que “o médico e o enfermeiro é que sabe”.
Onde está a pessoa que cuidamos? Que lugar ocupa na sua cura? O que é que ela procura verdadeiramente? Qual é a necessidade real que está por detrás de “3 diagnósticos e 7 medicamentos prescritos” para serem tomados diariamente?
Uma experiência que me marcou
Enquanto ainda trabalhava como enfermeira de família no Sistema Nacional de Saúde lembrei-me um dia, seguindo a prática da escuta atenta, de fazer duas simples perguntas a todos os meus utentes da Consulta de Hipertensão:
1- Sente-se deprimido? (Tinha lido que apenas esta pergunta poderia ser tão eficaz para o diagnóstico de uma depressão como uma bateria de testes para a depressão por ser uma pergunta que, claramente, devolve o foco à pessoa);
2- Existiu alguma perda significativa ao longo da sua vida?
Os resultados desta escuta atenta foram incríveis – Aconteceu algo que eu intuía ao longo da minha experiência como enfermeira de família mas para o qual ainda não tinha dados objetivos:
De 10 pacientes que atendi nesse dia, 9 sentiam-se deprimidos e 6 tinham perdido alguém muito importante, situação em que ainda não tinham processado o luto e que lhes trazia emoções à flor da pele.
Recordo-me de uma senhora que tinha perdido o pai 20 anos antes e que a sua reação foi de choro compulsivo. Parecia que a morte tinha acontecido apenas há uns dias. Acreditando eu, que a causa de muitos destes diagnósticos de “Hipertensão” teriam a ver com estas questões emocionais, mentais, existenciais e espirituais e identificando necessidades de enfermagem mais para além do corpo, ficava depois num dilema ético…
Fui hipoteticamente tocar na causa real deste diagnóstico que é a hipertensão – excesso de tensão porque simplesmente não me permito ventilar, expressar emocionalmente e resolver temas que são feridas abertas na vida de uma pessoa – e depois? E agora? Não tinha psicólogo de equipa a quem encaminhar o caso. Não tinha recursos. Atendendo ao diagnóstico de hipertensão, só deveriam marcar consulta para o utente para dali a 3 meses. Mas esta pessoa necessitava de apoio semanal ou quinzenal!
Começou aqui o princípio do meu descontentamento
Comecei a ter um prurido crónico em relação ao sistema. A medicação era TOP, a pessoa estava a tomar a última linha de fármacos anti-hipertensão, mas ninguém estava a tocar na verdadeira causa do seu problema!
Isto levanta muitos mais temas… de ética, bem-estar, sofrimento moral. Eu claramente nessa altura era uma enfermeira em sofrimento moral. Sabia que podia fazer muito mais pelos meus pacientes. Muito mais mesmo! E ali estava eu, presa ao sistema, ao medicamento, aos procedimentos que, não deixando de ser importantes, para mim não eram o mais importante.
Lê aqui o resto da minha história e o que me levou a ser uma empreendedora na saúde >>